Com uma certa inquietação, acabo de chegar do Memorial da América Latina, onde aconteceu o I Salão Nacional do Jornalista Escritor. Participar de um encontro como este, para alguém como eu, que escreve poesias desde os 9 anos de idade e 30 anos depois se mete em um curso de jornalismo, foi, no mínimo, reconfortante. Apesar de toda agitação gerada por ele.
Logo no primeiro mês de faculdade, recebo o seguinte comentário em uma avaliação: cadê a objetividade? Percebi, de cara, que o jornalismo é a negação da literatura. Tenho que reaprender a escrever, se eu quiser ser jornalista, ou ao menos, pra passar de ano. Mas como me livrar das metáforas que há anos me acompanham?
Ouvi opiniões diversas sobre o tema. Foi citado que o jornalismo nada tem em comum com a literatura, que são dois ofícios diferentes e que se opõem. Mas alguns acreditam que este é o futuro do jornal impresso, e que a forma como o jornalismo é feito atualmente está ultrapassada.
Segundo Coni, as redações dos jornais se igualam ao fórum romano: só restaram ruínas e colunas.
Luiz Fernando Veríssimo abriu as atividades. Com seu jeito recatado, quase tímido, contou um pouco da sua infância, e me fez lembrar da minha, quando o lia na minha coleção “Para gostar de ler”. Citou a importância que seu pai, o escritor Érico Veríssimo, teve no seu gosto pela leitura e do seu trajeto como jornalista e escritor. Revelou que “cometeu” cinco romances, além de inúmeras crônicas, mas que mesmo assim se intitula jornalista e não escritor. Ele trabalhou em todos os setores do jornal. Até horóscopo ele fazia. Escrevia as suas “previsões” num dia, no outro ia ler o que o destino lhe reservava... Depois mudava as previsões de um signo para outro e ninguém percebia. Para Veríssimo, os jornais tendem a ser mais opinativos, com mais colunas e matérias assinadas. O leitor gosta de saber o que o jornalista pensa, disse ele.
Ruy Castro, com um imenso senso de humor, arrancou gargalhadas da platéia. Nos contou, principalmente, de seu trabalho como biógrafo. Defendeu o rigor na apuração dos fatos relacionados à vida do biografado. Afirmou fazer cerca de mil entrevistas para cada livro produzido. E deixa para entrevistar por último as pessoas mais próximas, para não se influenciar, não deixar a emoção acima dos fatos. Na biografia do Garrincha, por exemplo, a Elza Soares só foi entrevistada um ano após o início de suas pesquisas. Para ele, as autobiografias não existem. São apenas diários, cheios de mentiras e adulações. Quando perguntaram se autorizaria uma biografia sua, ele disse: “Só depois de morto. Nem isso. Darei um jeito de atrapalhar.” Também criticou o gênero livro-reportagem, que para ele, é oportunismo de jornalista. “Para se fazer uma coisa bem feita é necessário muito tempo de apuração. O livro dura cem anos e uma reportagem não sobrevive tanto tempo”, disse.
Já Ricardo Kotscho afirmou não gostar de rótulos, que existem estórias bem contadas e mal contadas e o nome (livro-reportagem, jornalismo literário, jornalismo investigativo) não faz diferença. E argumentou: “o jeito de escrever é o mesmo, seja pra jornal, revista ou livro. A gente tem que conversar com o leitor como se fosse com um velho amigo”.
Ziraldo, um menino maluquinho de 75 anos, leve e cheio de vida, disse que, apesar de não ser o caso dele, o bom escritor, tem que ter uma infância sofrida. Criticou severamente o ensino fundamental, alegando que fundamental quer dizer base e uma boa base se faz com livros. “A criança deve, no ensino fundamental, apenas aprender a ler, escrever e fazer contas.” Citou uma passagem com seu neto de 9 anos, que lhe perguntara o que é cloaca. Ele pensou: pra que uma criança precisa saber o nome científico desta parte da anatomia do passarinho? Pura perda de tempo! Criança tem que ler, ler é mais importante que estudar, disse.
Ziraldo também citou a importância da imprensa na história da humanidade. Comentando que do ano zero até 1500 o homem nada criou, andava de charrete. Após a invenção da imprensa, o homem pode trocar informações e conhecimentos, e foi à lua. Apesar de sua defesa à tecnologia, disse não se adaptar ao uso de computadores e que para tanto foi necessário contratar um “Mouse-man”, a fim de digitar seus escritos.
Mauro Santayana falou de seu tempo de cobertura da guerra da independência do Marrocos, do seu sofrimento na época da ditadura. E também disse uma frase interessante: “você tem que fazer o leitor ter prazer em ler aquilo que escreve, tem que dar um ligeiro barato”.
Carlos Heitor Coni nos revelou que para escrever suas crônicas ou romances, busca inspiração em pessoas desconhecidas, que ninguém se ocupa delas e nas situações vividas num determinado momento. “É preciso falar com as pessoas, ouvi-las e depois transmitir o que você viu, o que sentiu. Inspiração é olho aberto.” Disse, modesto.
Houve o também o Alberto Dines, excelente. Um debate interessante foi o de José Hamilton Ribeiro, ganhador de 7 merecidos prêmios Esso, Ignácio de Loyola Brandão e Mylton Severiano sobre a revista Realidade. Mylton foi o redator e contou um pouco da história da revista. Disse que a revista foi um marco no jornalismo e continha os melhores repórteres e os melhores textos. Loyola citou os problemas com a ditadura e disse: “não sou da luta armada, mas da palavra”. É, acredito que a palavra é a arma de todo jornalista.
Para Moacyr Scliar, autor de 80 livros, que além de nos dar uma história do Brasil nos tempos da ditadura, disse que “sem fantasia e imaginação, não há literatura.” e o escritor em uma redação de jornal, passa a ser um “estranho no ninho”. E acrescentou: “O escritor tem que pensar em um só leitor, o jornalista pensa no público. Jornalismo não é profissão, é maneira de ser.”
Juca Kfouri se emocionou ao falar de Audálio Dantas, a quem prestou uma homenagem. Também falou sobre a imparcialidade do jornalista. Disse que jornalista tem lado sim, tem que ter e não se pode mentir para o leitor. “Não sejamos hipócritas”, disse. Outra dele: “A profissão de jornalista te dá uma certa proximidade com o poder, mas não te dá o poder. Você é apenas um observador. Não confunda. Mas um jornalista que não tiver a pretensão de mudar o mundo, está na profissão errada.”
Entre tantos nomes de sucesso e talento, pude observar alguns pontos em comum entre eles: todos foram crianças que gostaram de ler e todos tem um propósito maior, além da informação.
Este encontro foi, não só a melhor aula de história da minha vida, mas um verdadeiro banquete cultural e literário, com direito a doses de esperanças.
Muito boa essa matéria...
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